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Tripalium - Filosofia e Espiritualidade



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O LOGOS DOS FILÓSOFOS

Dia 25 dez MISSA DE NATAL (Jo 1, 1-18)




O LOGOS, SEGUNDO OS FILÓSOFOS E OS JUDEUS DO TEMPO DE JESUS




(Padre Ignácio, dos padres escolápios)




O LOGOS DOS FILÓSOFOS





HERÁCLITO: No helenismo temos a origem da palavra LOGOS e de seu significado, embora não tão concreto e divino como no prólogo de S. João. O primeiro filósofo grego em que aparece a noção de Logos é Heráclito (+ 480 aC), de origem nobre, oriundo de Éfeso; notável por seu desprezo pelos homens, excêntrico a ponto de fugir aos montes onde se alimentava de ervas e de morrer num estábulo comido pelos cachorros. Seu conhecimento do mundo tem como base um monismo materialista e imanentista de modo que tudo flui (panta chorei); mas tem como princípio uma base que é o fogo com duas vias: uma descendente por condensação ou contração: fogo, ar, água, terra. E a outra, ascendente por dilatação ou rarefação: terra, água, ar, fogo. Pela primeira vez, fala de uma razão eterna (Lógos ou Gnóme ) que rege e governa todas as coisas e está presente em todas elas. De modo que, na mutação de todas as coisas, a razão permanece imutável e todo o mundo é regido e conforme a medida, sendo essa razão a causa da harmonia universal.




OS ESTÓICOS: Retomam o antigo fogo de Heráclito como uma Razão ou Lei imanente e universal que em certo sentido se identifica com o fogo ou ar ardente; mas que em outro aspecto se distingue do mesmo. Penetra o mundo como o mel está presente no favo. Esse logos é o princípio reitor (hegemonikon), a Mente que rege e governa o Universo. É a Providência (prónoia) e o destino (eimarmene) que tudo ordena e tudo reduz a uma unidade harmônica. É o Lógos Spermatikós, (seminal) uma força e uma lei. Como força, impulsiona irresistivelmente todos os seres a um fim único; e como lei, nada pode ser feito fora dela, que contém em si as sementes ou germes racionais de todas as coisas (como uma versão nova das idéias exemplares de Platão). Zenão de Chipre (+264aC) foi o iniciador desta filosofia. Como dava aulas num pórtico (stoa em grego) daí o nome da escola [stoikós] por ele fundada. Os discípulos posteriores identificaram o Logos com diversos deuses, especialmente com Hermes, o deus grego personificado como mensageiro e intermediário. No Egito foi o Hermes Trimegisto, ou Tot, deus lunar, ao qual se atribuíam certos escritos esotéricos que tiveram papel importante nas polêmicas religiosas do século IV dC.




PLATÃO: Para Platão, o Logos é um outro [duplicado] do ser que hipostasia-se (transforma em substância) atribuindo realidade e autonomia. É a trama ou complexo (simploke= abraço ou enlace) de relações possíveis entre as idéias a cujas combinações dialéticas correspondem realidades ontológicas, de forma que a lógica dialética (da mente) se torna norma e função ontológica (do ser). A dialética é o mundo das idéias e a ontologia é o mundo das realidades existentes e independentes.



A MEMRÁ DOS JUDEUS





A PALAVRA (de Javé) no AT: Os targum (targumim em plural) são traduções muito antigas em aramaico da Bíblia hebraica. Eram tidos autorizados e eram falados em voz alta nas sinagogas de modo que eram a única escritura entendida pelo povo. Entre eles temos o targum de Onkelos. O tradutor ou leitor que falava em voz alta a tradução versículo a versículo, era chamado Turgeman. Os targuns foram usados nas sinagogas antes, durante e depois da vida de Jesus. Precisamente o targum de Onkelos ou babilônico (sec I) é conservado nas sinagogas, junto com os rolos da Torá. Os judeus modernos, porém, contradizem com suas opiniões muitas das crenças dos judeus do tempo de Jesus. Nos targuns uma palavra ressalta como identidade com o próprio Javé: MEMRÁ, aramaico, da raiz mr que significa dizer. A encontramos como me´mar em Dn 4, 14. Realmente em hebraico a palavra é Dawar ou dewar Javé (palavra de Javé); mas no targum se traduz por Menrá. Que significa esta palavra? No livro do Gênese lemos como Deus DISSE, antes de cada dia da criação. E o mundo da sua criação veio se tornar realidade e existência. Por isso a Memrá se tornou como um mediador divino entre um Deus inacessível e sua criatura humana. A palavra aparece centenares de vezes nos targuns aramaicos.




A MEMRÁ: Como vimos a Memrá (Palavra) é uma via primária segundo a qual o Ser inalcançável manifesta sua vontade. A Palavra é também o meio com o qual se comunica e interage com os seres humanos, o instrumento por meio do qual se revela em forma inteligível. Mas por outra parte, Deus usa a palavra muito mais do que como letras, frases ou tinta. Esses materiais são inertes, registros mortos de meios humanos. Porque em muitos casos quando a Palavra saiu da boca e do coração divinos teve uma ação muito maior de poder e energia de que se pode atribuir a uma página escrita com informação histórica. Por que Deus se tomou o trabalho de falar durante a criação? Por que o Criador não fez sua obra em silêncio, sem pronunciar uma só palavra? A quem ou com quem falava (façamos-diz o Gênese) quando mandou: façamos o homem? É evidente que existe uma força criativa, dinâmica na voz do Senhor; um poder e uma energia em suas palavras; uma expansão tangível de sua divindade. Sua Palavra é uma extensão de sua Natureza, um impulso de sua Vontade, ativo, poderoso e efetivo. Não são unicamente letras, sílabas e sons. Há vigor e atividade nas palavras de Deus estendendo-se muito além dos limites do pensamento e da comunicação. Segundo os targuns (traduções e comentários), aceitos pelos judeus como vozes sagradas, a Palavra de Deus é uma entidade, um ser; na realidade o próprio Deus, pois a MEMRÁ deve ser adorada, servida e obedecida. Os targuns ensinam que a palavra de Deus, a MEMRÁ, reina suprema no trono de Deus. Ao comentar Dt 4, 7 ¨que nação tem seus deuses tão próximos dela¨, diz que o costume das outras nações é carregar seus deuses em seus ombros, porém eles não podem ouvir com seus ouvidos. Mas a Palavra de Deus sentada no trono ouve nossas preces e favorece nossas petições (T. Jonatan). Um outro exemplo sobre Gn 1, 27: Deus disse façamos o homem(…) e Deus criou o homem à sua imagem, a palavra de Deus criou o homem não unicamente à sua imagem mas também à semelhança de sua Palavra (comentário do T.Onkelos). Bastam estes exemplos para uma conclusão óbvia: João, o quarto evangelista, não precisava de textos da Filosofia grega para o seu prólogo: No começo existia a Palavra e a Palavra estava em Deus e a Palavra era Deus…Tudo foi feito por meio dela e sem ela nada se fez do que foi feito. Para terminar, esta reflexão sobre a Memrá ¨ Israel será salvo pela Palavra de Javé com uma salvação perpétua. Pela Palavra de Javé será toda semente de Israel justificada¨. As palavras do prólogo de João não deveriam soar como notas discordantes nos judeus de sua época, porque essa passagem reflete 100% os ensinamentos dos targuns, da Lei e dos Profetas.




FÍLON: nada tem de estranho que o filósofo judeu-alexandrino tratasse a palavra, LOGOS em grego como o Demiurgo, como a Palavra criativa de Deus, a reveladora, simbolizada nas Escrituras como o anjo de Javé, a soma total das idéias e do mundo inteligível platônico ou, tomando a teoria estóica, o poder que ata e ordena o mundo, e a lei que determina sua evolução. Dentro destas diversas idéias devemos reconhecer em Fílon uma doutrina fundamental: O Logos é o intermediário entre o mundo e Deus. Através dele Deus criou o mundo e o governa e por meio dele, os homens conhecem Deus e elevam suas súplicas. Em três passagens Fílon o chama Deus, impropriamente dirá, mas usa esse apelativo levado pelo texto mesmo que comenta. Porém Fílon não considera o Logos como pessoa. Aí vemos a diferença com a nossa fé em que o Logos é o Filho gerado num Deus que é uno e trino: uma só substância mas três pessoas diferentes. Esta fé confunde os sábios que pretendem entendê-la e é a base dos que unicamente a aceitam sem discussão, porque é a revelação de um Deus que quis se mostrar como homem cheio de bondade.



O PREFÁCIO DO EVANGELHO DE S. JOÃO





Temos visto como filosoficamente se formou a idéia do Logos como um intermediário entre a suprema divindade e o mundo material que nos mais antigos filósofos tomava o nome de Demiurgo e que finalmente foi denominado de Logos. Também temos nos últimos tempos a Memrá, a palavra como Sabedoria, com características próprias da divindade a quem representa para os humanos. Queremos agora responder à pergunta de por que o quarto evangelista fala no seu prefácio do Logos que identifica com Jesus de Nazaré. Nele também veremos o Logos em si mesmo para depois vê-lo como elemento ativo da criação e da redenção.




RESPOSTAS: Acreditamos que não existe uma resposta única e por isso vamos dar algumas sugestões derivadas do estudo prévio que temos feito. Quem lê o artigo sobre Os Apócrifos pode ver como o gnosticismo prevalecia entre círculos esclarecidos desde o fim do século I. Outra das idéias predominantes dentro dos círculos cristãos, era o docetismo, que afirmava ser o corpo de Jesus um corpo aparente, etéreo e não real, doutrina que foi também reivindicada pelos gnósticos. O prefácio de João evangelista debate frontalmente ambas as doutrinas, como veremos na continuação. Uma outra razão era dar uma visão de conjunto da obra do Logos revestido da carne de Jesus de Nazaré, de modo a afirmar a necessidade de estar unido a ele para todo homem, por ser a verdade como luz, e a vida como fonte.




EN ARCHÉ: Usamos a transcrição dos sons gregos mais usada em que ch corresponde ao h ou seja como o jota em espanhol. Que significado tem en arché? As mesmas palavras que encontramos no começo do prólogo de João as encontramos no início do relato do Gênesis na tradução dos Setenta. Isso indica três coisas: 1o que o escritor do evangelho estava acostumado a ler o AT no grego dos setenta, o conhecia e o usava como Escritura. 2o Que esse mesmo escritor faz uma comparação equivalente entre a criação do mundo por Deus e a redenção do mesmo por Cristo. 3o Que ele conhecia perfeitamente a filosofia de Fílon donde temos visto que o Demiurgo se transforma em Logos. Mas vamos, aos poucos, ir declarando as coisas. En arché sem artigo, significa em princípio, e a tradução seria: em princípio (dos tempos) existia o logos embora o en seja traduzido por com de companhia e portanto poderíamos também dizer Acompanhando (com) o princípio das coisas, existia o logos. Com, ou na origem do mundo seria, pois, atradução. No instante em que Deus criou o céu e a terra (segundo o Gênesis), existia o Logos. Significa que o Logos não foi criado. Esta é a conclusão lógica da frase que acabamos de estudar.




EM PROS TON THEÓN: [Junto com, ou junto de Deus]. Por isso esse Logos que não foi feito estava no único espaço possível: junto do (único que existia) Deus. [O artigo antes de Deus indica um Deus particular ou pessoa, o Jahveh, e não um deus qualquer que não poderia levar artigo]. Nós o resolvemos com a letra maiúscula inicial. O pros pode ser traduzido por com. Assim podemos dizer que o Logos estava com Deus, unido a Deus. No pléroma [plenitude] da divindade.




E DEUS ERA O LOGOS: Esta é a tradução literal. Se na anterior expressão Deus estava unido ao artigo, indicando uma pessoa, agora sem artigo indica um atributo ou predicado do Logos para indicar que este último é parte da divindade. Deste modo a frase traduzida de forma realística, seria Logos como sujeito e Deus como atributo: E o Logos era Deus.




ESTE ERA EM PRINCÍPIO COM DEUS: Como se fosse um verso de um poema, o autor volta a repetir a idéia inicial num paralelismo explicativo que desenvolve a palavra chave em diversas acepções. Tentaremos de modo ideológico traduzir o texto dos dois primeiros versículos: (1,a) Em princípio existia o Logos; (b) e o Logos morava com [o] Deus; (c) e Deus se identificava com o Logos. (1,2) E este morava desde início com [o] Deus. Os parêntesis indicam os versículos e suas partes, os colchetes são para indicar que na tradução incluímos os artigos que estão no texto grego original.




A OBRA DO LOGOS: Vamos dar a tradução melhor possível para explicá-la depois. (1,3) Todas as coisas por meio dele (o Logos) aconteceram; e fora de sua ação nada surgiu do que começou. O mesmo verbo ginomai grego, empregado três vezes, foi traduzido por acontecer, surgir, ou começar. Como o Gênesis, que paralelamente imita o prefácio, fala de céus e terra, a isto precisamente parece se referir o versículo em questão. Os setenta traduzem genetheto fos kai egeneto fos que o latim traduz por Fiat lux, seja ou haja, exista a luz. O logos intervém, pois, como parte da divindade na criação do mundo. Chamamos a atenção de que esta afirmação não depende de pensamentos filosóficos, mas de verdades teológicas reveladas, porque esse Logos é o que as afirmará posteriormente no evangelho.




ATRIBUTOS DO LOGOS: VIDA, em primeiro lugar.(1,4) A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. Não uma luz material como a que Deus deu à terra que estava sobre um abismo de trevas, mas a luz da verdade que ilumina os homens. Existe uma outra maneira de dividir o texto; e nesta segunda divisão, teríamos: o que brotou nele era vida e a vida era a luz dos homens. E imediatamente o evangelista comenta os fatos históricos desta forma: e a luz brilha na escuridão e a escuridão não a agarrou (segurar ou compreender?).




A LUZ: O segundo atributo era a luz (9) Havia a luz, a verdadeira, a que ilumina todo homem vindo ao mundo. (10) Morava no cosmos e o cosmos por ela[ele] surgiu e o cosmos não a [o] conheceu. (11) Veio às (coisas) próprias e os próprios não a [o] receberam (12). Mas a quantos a [o] receberam deu a eles poder (potestade para atuar) de se tornarem filhos de Deus, aos crentes em seu nome (pessoa).(13) Eles não de sangues, nem de vontade de carne, nem de querer de homem, mas de Deus nasceram.(14) E o Logos se fez carne e assentou sua tenda entre nós. Temos querido traduzir os versículos 9-14 do modo mais literal possível para ver: 1o a incerteza entre luz e Logos, que João mistura; pois Jesus mesmo dirá que ele é a luz do mundo e 2o no versículo 14 como João retoma a palavra Logos para definir claramente quem se fez homem. Pelo contexto parece que devemos preferir o artigo masculino desde o versículo 10. Por isso o versículo 9 formaria parte do parêntesis do Batista (versículos 6-8).




CONCLUSÃO: Nem mesmo Fílon ou os rabis contemporâneos puderam pensar num Logos ou Memrá preexistente ao mundo e portanto não criado ou criatura. O LOGOS de João, palavra jamais usada por Jesus, é unicamente um empréstimo cultural para refutar o que então era o Demiurgo dos filósofos pagãos, ou Logos Espermatikós dos estóicos. Por isso, João nos oferece o versículo 13 em que claramente expressa que a única vontade de Deus e a que torna o homem filho dEle. Após o evangelho de João, termos vários sistemas gnósticos em que o Logos entra como criatura, como são o Apochryphon Johannis a Sophia Iesu Christi ou o Evangelium Veritatis. S. Agostinho declara que este prólogo está além de toda capacidade humana e tem um caráter sagrado. Na Igreja ocidental ele era lido sobre os doentes e os meninos recém- batizados. A leitura antiga no final de Missa em latim até o Concílio, refletia o costume antigo de usá-lo como bênção.